Movimento modernista de 1922 projetou artistas renomados e foi marco para o início da transformação cultural no Brasil
Por Otávio Augusto Rodrigues
Entre os dias 13 e 17 de fevereiro de 2022 é comemorado o centenário da Semana de Arte Moderna de 22, um dos festivais artísticos e culturais mais importantes da história da arte brasileira. O evento reuniu, em 1922, artistas nacionais e estrangeiros no Teatro Municipal de São Paulo e promoveu pintura, escultura, arquitetura, música e literatura, visando difundir o modernismo e propor uma ampla reflexão sobre a arte brasileira.
Pensado propositalmente para acontecer cem anos após a independência do Brasil, em 1822, a Semana de Arte Moderna teve apoio de mecenas e políticos da época, como o então governador e futuro presidente do país Washington Luís. Ela projetou ainda, nomes como Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Tarsila do Amaral, Victor Brecheret, Mário e Oswald de Andrade e Manuel Bandeira para a galeria de artistas ilustres no Brasil.Reprodução “Operários, óleo sobre tela, 1933", de Tarsila do Amaral, disponível para visitação no Palácio dos Bandeirantes, em São Paulo. Foto: Governo do Estado de São Paulo.
Monumento “Às Bandeiras, 1953”, de Victor Brecheret, localizado em São Paulo – SP. Foto: Creative Commons.
“É um marco que não pode ser esquecido na memória, principalmente do povo de São Paulo. A Semana da Arte Moderna de 22 revolucionou a arte brasileira como um todo, que até então não tinha uma identidade própria. Comemorar seu centenário é fazer a manutenção da lembrança da Semana de 22”, destaca Aclibes Burgarelli, presidente da Academia de Letras, Ciências e Artes (ALCA) e chefe de gabinete da Diretoria Executiva da AFPESP.
Origem do modernismo
Importado da Europa, o modernismo é o conjunto de escolas artísticas nascidas no final do século XIX que buscavam renovações nos conceitos e produções vigentes na época. São elas: cubismo, surrealismo, expressionismo, abstracionismo, futurismo e dadaísmo. Juntas, relacionavam arte e cultura com a pulsante vida urbana na Europa advinda do desenvolvimento industrial. Essas vanguardas propunham drástico rompimento das formas e estéticas da arte tradicional.
Com a ascensão do modernismo, representações rurais, bucólicas e idealistas — comuns ao antecessor romantismo — foram cedendo lugar às experimentações artísticas que representavam a interação entre seres humanos com objetos, paisagens e realidades completamente novas. Como não pretendiam abdicar ou abolir produções anteriores, mas sim ressignificá-las, eram comuns releituras modernistas de obras do passado.
Após a Primeira Guerra Mundial, o movimento ganhou notória projeção. Sua subversividade questionava o desenvolvimento tecnológico, inicialmente responsável pela crença de que a civilização caminhava para o progresso. Tal convicção ruiu na mesma velocidade em que armamentos sofisticados foram produzidos e a irracionalidade de disputas ideológicas, raciais e nacionalistas tomaram conta do planeta.
Artistas como Pablo Picasso, Salvador Dalí, Wassily Kandinsky, Henri Matisse, foram alguns dos nomes de destaque atribuídos ao movimento modernista. Suas obras carregavam em forma, estética e simbologia a ruptura com o padrão vigente e o descontentamento com os rumos que a sociedade contemporânea estava trilhando. Eles foram inspiração para artistas de todo o mundo ocidental, inclusive no Brasil.
Mural da obra “Guernica, 1937”, de Pablo Picasso, localizado em Guernica y Luno, Espanha. Foto: iStock/Tomás Guardia Bencomo.
O Modernismo brasileiro
Em meados de 1910, a arte brasileira começava a passar por um processo de renovação. O modernismo chegou até o Brasil por meio do intercâmbio de artistas que tiveram contato com o movimento na Europa. Naquele momento, as principais escolas artísticas presentes no país eram o parnasianismo, na poesia, e o academicismo, na pintura, ambas marcadas pela valorização extrema da estética e rigor com a forma.
Uma das primeiras mostras instaladas no Brasil, que rompiam com estes padrões, foi do pintor lituano Lasar Segall. O modernista chegou da Alemanha cheio de referências e novas ideias na bagagem; decidiu expor suas obras de estilo expressionista em Campinas e São Paulo, em 1913. A repercussão e as críticas sobre a mostra, entretanto, foram mínimas.
Mais tarde, em 1917, Anita Malfatti, que também havia estudado na Alemanha, realizou uma exposição para suas obras inspiradas no modernismo europeu. A mostra recebeu críticas de artistas conservadores, sendo inclusive destaque da coluna “Paranoia ou Mistificação?” assinada pelo escritor Monteiro Lobato, no jornal O Estado de S.Paulo. No texto ele classificou o modernismo como “decadente” e considerou os trabalhos da artista distorções de mau gosto.
Incomodados com tal repercussão, jovens modernistas brasileiros como Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Menotti del Picchia e Tarsila do Amaral se juntaram e reagiram em defesa da pintora. Considerada emblemática, a união destes e de outros artistas deu início a um vínculo duradouro, no qual havia trocas de influências e pensamentos. Essa junção discutiu a importância de promover uma arte moderna e tipicamente brasileira e idealizou, mais tarde, a Semana de 22.
Da esquerda à direita: Anita Malfatti, Mário de Andrade, Menotti del Picchia, Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral. Foto: Creative Commons.
Na época, o festival não teve grande repercussão em jornais e revistas. Sua importância, todavia, foi construída ao longo do tempo, dado que a Semana de 22 se tornou o primeiro grande passo para quebrar a resistência – até então praticada pelos entusiastas da arte tradicional – e despertar novos artistas para seguirem um caminho diferente. O evento influenciaria, posteriormente, outros grandes movimentos de renovação artística no país, como o movimento antropofágico e a tropicália.
“Quando pensamos em produções artísticas brasileiras, muitas vezes nos veem à cabeça pinturas, esculturas e poesias de artistas que estiveram na Semana de 22. O caráter transformador de suas obras mudou completamente o panorama do que existia em relação às artes no país e abriu espaço para que outros grandes artistas brasileiros pudessem expor seus trabalhos posteriormente”, comenta Artur Marques, presidente da AFPESP.
Reprodução “Samba, óleo sobre tela, 1925”, de Di Cavalcanti. Foto: Creative Commons.
Exposições sobre a Semana de 22
Para celebrar o centenário da Semana de Arte Moderna de 1922, e promover o contato do público com obras de artistas que marcaram época no modernismo brasileiro, entraram em cartaz, na cidade de São Paulo, diversas exposições que destacam a importância do marco histórico para a arte no Brasil.
Até o dia 28 de fevereiro, quem passar na frente do Conjunto Nacional, na Avenida Paulista, ou pelas estações Paulista e Clinicas do metrô, poderá conferir uma série de releituras e pinturas originais baseadas no estilo modernista. Vale evidenciar a obra “Edifico Martinelli, óleo sobre tela, 1955”, da artista e integrante da Academia de Letras, Ciências e Artes (ALCA) da AFPESP, Antonietta Tordino.
Antonietta Tordino posa ao lado de placa descritiva da exposição no Conjunto Nacional. Foto: Acervo pessoal.
“Fiquei muito emocionada em receber o convite para expor uma tela que executei nos anos 50. É uma obra que realmente carrega as características do modernismo, com influência do estudo de linhas e de cores do artista italiano Mario Sironi. A Semana de 22 foi muito valiosa para a arte brasileira, e precisa ser mais estudada nas escolas”, ressalta a artista.
Reprodução "Edifico Martinelli, óleo sobre tela, 1955", de Antonietta Tordino. Foto: Acervo pessoal.
A Pinacoteca do Estado também homenageia o centenário do Movimento de 22 com a exposição “Modernismo. Destaques do Acervo”. A mostra, que ficará em cartaz até dia 31 de dezembro de 2022, no edifício Luz, é composta por 134 trabalhos de diferentes artistas. O destaque fica para obras originais de Tarsila do Amaral, Lasar Segall e a pintura “Amigos, de Di Cavalcanti”, que estava exposta no Teatro Municipal na Semana de 22.
Localizado no bairro da Barra Funda, o Memorial da América Latina recebe “Pilares de 22”, exposição de caricaturas realizadas pelo artista paulista Luiz Carlos Fernandes, com curadoria de José Alberto Lovetro. Os desenhos gigantes, estampados nas pilastras do Pavilhão da Criatividade Darcy Ribeiro, retratam 16 artistas que participaram do movimento e ajudaram a difundir os ideais modernistas pela América Latina.
"Mensagem Especial do Presidente - Centenário da Semana de 22"
Foto de capa:
Projeção de peça artística em homenagem ao centenário da Semana de 22 no Palácio dos Bandeirantes, sede do Governo do Estado de São Paulo. Foto: Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo/Creative Commons.