Estudo liderado por cientistas da USP e publicado na revista Science contribui para o entendimento da formação da sociedade brasileira e de fatores hereditários relacionados a doenças presentes na população
Por Otávio Augusto Rodrigues
Uma pesquisa inédita liderada por cientistas da Universidade de São Paulo (USP) revelou que o Brasil é o país mais miscigenado do mundo. O estudo integra o Programa Genomas Brasil, financiado pelo Ministério da Saúde, e foi publicado no último dia 15 de maio na Science, uma das principais revistas científicas do planeta.
Para realizar o trabalho, os cientistas analisaram detalhadamente o genoma (material genético completo) de 2,7 mil brasileiros de todas as regiões do país, incluindo moradores de áreas urbanas, rurais, ribeirinhas e indígenas. Os resultados identificaram cerca de 8,7 milhões de variantes genéticas diferentes, nunca relatadas em nenhuma outra população humana.
Segundo os dados coletados, a composição média da ancestralidade da população brasileira é de aproximadamente 60% europeia, 27% africana e 13% indígena. Sobre os povos originários, um dos achados mais relevantes da pesquisa foi a identificação de registros genéticos vivos de grupos indígenas considerados extintos desde a colonização.
A grande miscigenação identificada pelo estudo explica, cientificamente, o que os livros de história ensinam sobre a formação da sociedade brasileira: os povos indígenas como primeiros habitantes, a chegada dos colonizadores europeus, a introdução forçada de populações negras escravizadas e, posteriormente, a imigração de asiáticos e de outros grupos ao país.
Além disso, o estudo observou tendências genéticas que ajudam a explicar alguns padrões presentes na sociedade brasileira. Entre elas:
- Os cromossomos paternos apresentam maior proporção de origem europeia, enquanto as linhagens maternas revelam predominância de DNA africano e indígena – o que pode ser resultado da violência sexual sofrida pelas mulheres durante a colonização;
- Foram identificadas combinações genéticas africanas inexistentes no continente africano, originadas pela mistura de diferentes grupos étnicos trazidos ao Brasil no período da escravidão;
- Os cientistas descobriram características de um "genoma brasileiro", composto por genes que se reproduziram mais, tiveram metabolismo mais acelerado e um sistema imune mais forte, como uma espécie de "seleção natural";
- Foi observada uma tendência atual de "acasalamento seletivo", em que as novas gerações tendem a formar famílias dentro do mesmo grupo étnico.
A linha do tempo no infográfico representa os diversos momentos de miscigenação que formaram o genoma da população brasileira desde 1500 até o presente. O mapa revela a composição média da ancestralidade da população brasileira por região. Infográfico e fonte: Admixture’s impact on Brazilian population evolution and health (Science, 2025).
Pesquisa aplicada à saúde
Além do impacto sociológico, a pesquisa publicada na Science também tem relevância quando relacionada à área da saúde, uma vez que muitas doenças têm o fator hereditariedade como uma de suas principais causas. As conclusões do estudo podem servir como base científica para a elaboração de políticas públicas mais precisas e eficazes relativas à prevenção, rastreamento e tratamento de doenças.
Das mais de 8,7 milhões de variações genéticas encontradas no estudo, cerca de 37 mil podem estar associadas à predisposição a doenças. Desse total, 450 genomas estão relacionados a doenças cardíacas e obesidade. Além disso, 815 variações genéticas encontradas associam-se direta ou indiretamente a doenças infecciosas como malária, hepatite, gripe, tuberculose, salmonelose e leishmaniose.
Os dados obtidos podem ser utilizados em ações voltadas ao diagnóstico precoce de doenças como o câncer de mama, por exemplo, com possibilidade de orientar mulheres com maior predisposição a realizarem exames com maior antecedência em relação àquelas que não tenham esse fator presente em seu material genético.
A pesquisa também contribui para o estudo das respostas de indivíduos a determinados medicamentos, uma vez que as mutações genéticas podem alterar a forma como o corpo metaboliza os fármacos.