Por Gilberto Natalini
Todos os dias, toneladas de lixo são geradas no Brasil e uma parte significativa acaba descartada de forma incorreta. Só em 2024, o país produziu mais de 81 milhões de toneladas de resíduos sólidos, e cerca de 41% deste montante foi destinado a locais inadequados, como lixões ou aterros precários (ABREMA, 2024).
Quando se fala em poluição, costuma-se pensar em garrafas PET, sacolas e embalagens. Porém, existe uma ameaça muito mais discreta: os microplásticos. Estes resíduos são partículas de plástico com menos de 5 mm de diâmetro, podendo ser originados por uma infinidade de materiais: roupas sintéticas, pneus, cosméticos, tintas, embalagens, entre outros. Eles atingem o meio ambiente por descarte incorreto, desgaste destes materiais e até pelo esgoto doméstico, já que o tratamento de efluentes muitas vezes não consegue retê-los.
Os microplásticos foram detectados pela primeira vez no meio ambiente em 1970. Já em 2001 foram encontrados em água doce, e em 2004 o termo foi utilizado pela primeira vez na literatura científica. Nos anos seguintes, cientistas localizaram microplásticos em todo o mundo e descobriram que estes estão presentes não só no ambiente, como também nos alimentos, nas entranhas de animais e nos órgãos e tecidos humanos (National Geographic, 2022).
No oceano, eles confundem os animais, que os ingerem sem perceber. No corpo humano, eles podem contaminar o sangue por meio da alimentação e respiração. Os efeitos ainda estão sendo estudados, porém estudos iniciais já mostram que a presença de microplásticos no tecido pulmonar podem afetar o desenvolvimento de células tronco pulmonares, prejudicando pulmões em desenvolvimento e a cicatrização das vias aéreas (IEA USP, 2022).
Diante deste cenário surge a dúvida de qual seria o papel do Brasil para conter essa crise silenciosa. O país ainda não possui uma legislação específica para microplásticos. Todavia, isso não quer dizer que não existem recursos para auxiliar nesta questão, uma vez que existe base legal extensa e algumas iniciativas que já podem ajudar a frear o problema.
A Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010, regulamentada pelo Decreto nº 10.936/2022) é uma das principais ferramentas. Ela traz a ideia de “responsabilidade compartilhada”, onde fabricantes, comerciantes, consumidores e o poder público têm obrigações no ciclo de vida dos produtos. Já a logística reversa, prevista nessa política, também é promissora: grandes empresas devem recolher e dar destino correto a produtos após o consumo.
Adicionalmente, projetos de lei, como o PL 6.528/2016, propõem banir o uso intencional de microplásticos em cosméticos e produtos de limpeza. Há ainda o papel das normas técnicas da ANVISA e do Inmetro, que podem regulamentar ou restringir o uso dessas partículas em produtos.
Mas para que estas ferramentas possam de fato ser aplicadas é preciso investir em ações de fiscalização eficaz. As instituições públicas, especialmente as ambientais, são peças-chave nessa luta. São elas que: (i) fiscalizam o lançamento de resíduos e efluentes em rios, mares e solos; (ii) analisam e aprovam projetos que possam gerar impactos ambientais, exigindo estudos e medidas de controle; (iii) educam e conscientizam a população por meio de campanhas e projetos locais; e (iv) podem elaborar normas técnicas que futuramente acompanhariam a evolução científica sobre os riscos dos microplásticos.
Sem uma atuação firme, bem estruturada e valorizada, o combate à poluição plástica perde força. O funcionalismo público ambiental precisa de autonomia, investimento e reconhecimento para continuar protegendo os nossos ecossistemas.
Combater essa forma invisível de poluição é um dos grandes desafios ambientais do nosso tempo e o Brasil possui as ferramentas, o conhecimento técnico e tem profissionais capacitados.
É fundamental que os instrumentos legais existentes, como a Política Nacional de Resíduos Sólidos, sejam plenamente implementados e atualizados para contemplar novas formas de poluição emergentes. Ao mesmo tempo, é necessário ampliar a capacitação técnica e os recursos disponíveis às instituições públicas, garantindo que estejam aptas a monitorar, regulamentar e mitigar os impactos associados aos microplásticos.
A construção de soluções integradas, com participação de diversos setores da sociedade e do Poder Público, será essencial para prevenir a intensificação desse tipo de contaminação e promover a sustentabilidade ambiental a longo prazo.
Gilberto Natalini é coordenador de Meio Ambiente da AFPESP, médico gastrocirurgião e ambientalista. No setor público destacou-se como secretário do Verde e do Meio Ambiente e secretário executivo de Mudanças Climáticas da cidade de São Paulo. Eleito vereador de São Paulo pela primeira vez em 2000, cumpriu o seu quinto mandato até 2020. É autor de 419 projetos de leis e tem 147 leis aprovadas. Suas principais bandeiras de vida são a democracia, o desenvolvimento sustentável, maior equidade social e a moralidade pública.